Telemóveis na pista de dança: estamos a perder o momento?

O uso de telemóveis nas pistas de dança está a transformar a cultura clubbing. Entre o registo e a experiência, será que ainda sabemos dançar de olhos abertos — e ecrã apagado?

11/8/2025

📸 A era dos ecrãs levantados

Quem frequenta clubes ou festivais hoje já conhece o cenário: braços erguidos, flashes a piscar, e uma parede de ecrãs a capturar o que devia ser vivido.
O telemóvel tornou-se extensão do corpo — e da identidade digital. Mas, na pista, será que estamos a perder algo essencial?

O artigo da DJ Mag “Phones on the Dancefloor: Where Do We Go From Here?” lançou o debate: o telemóvel, antes ferramenta, transformou-se em filtro. A pista deixou de ser um espaço de entrega total, tornando-se um palco de registos curados para as redes sociais.

Em Portugal, essa tendência também se sente. Seja no Lux Frágil, no Kremlin ou em festivais como o BPM ou o Brunch, é raro encontrar uma multidão simplesmente… presente. O gesto de tirar o telemóvel do bolso parece automático — quase um reflexo cultural.

🔄 O paradoxo do registo: viver para filmar

Segundo um estudo da Eventbrite, mais de 70% dos frequentadores de eventos admitem filmar durante atuações — e 1 em cada 3 reconhece que isso reduz o prazer do momento.
É o preço de uma era em que o “viver” precisa ser documentado.

Os DJs sentem isso. Muitos ajustam o set para criar “momentos instagramáveis”, sincronizando luzes, drops e expressões. Outros — especialmente os mais puristas — queixam-se de uma plateia distraída, mais preocupada em captar o vídeo do que o ritmo.
Como escreveu recentemente Luciano nas redes: “O verdadeiro contacto acontece quando ninguém está a olhar para o ecrã.”

🧠 A psicologia do ecrã

O fenómeno vai além do comportamento social — é neurológico. Cada notificação, cada like recebido após um vídeo de um festival, ativa o mesmo circuito de dopamina que nos mantém presos ao scroll infinito.
A pista de dança, espaço de libertação e descompressão, tornou-se, para muitos, mais um palco de performance pessoal.

Mas quando tudo é registado, o espaço da vulnerabilidade desaparece. Já não dançamos como se ninguém estivesse a ver — porque, de facto, toda a gente está.

🚫 Clubes que dizem “não” ao telemóvel

Perante isso, surgem resistências.
Clubes e coletivos internacionais, como o Berghain em Berlim ou o Fabric em Londres, implementaram políticas rígidas: câmeras tapadas, seguranças atentos e comunicação clara — “Enjoy the moment. No phones.”

Em Portugal, esta filosofia começa a ganhar corpo.
Eventos como o Faina, ou algumas edições do Ministerium Club já experimentaram políticas “low-phone”: não proibitivas, mas apelando à consciência coletiva.
O resultado é visível: pistas mais libertas, energia mais orgânica, atenção plena na música.

🌍 O desafio local: cultura e redes

Portugal vive um dilema próprio.
Num mercado pequeno, onde o alcance digital é crucial para promover artistas e eventos, o vídeo tornou-se ferramenta essencial.
Sem conteúdo nas redes, muitos projetos independentes desaparecem no ruído do algoritmo.
Mas quando a promoção se sobrepõe à vivência, a essência clubbing dilui-se.

Talvez a resposta esteja no meio-termo: criar espaços seguros e conscientes — pistas onde o momento volta a ser prioridade, e a partilha surge depois, não durante.

💡 Caminhos possíveis

Em vez de proibir, podemos educar e redesenhar a experiência:

  • Zonas “no phone” em clubes, para quem quer dançar livremente.

  • Vídeografias oficiais discretas, que permitam partilhar sem invadir.

  • Campanhas de sensibilização: “Desliga para sentir.”

  • Cultura do respeito mútuo: se alguém está a filmar, mas tu queres estar no momento, o olhar basta para sinalizar o limite.

O clubbing português sempre foi uma celebração de presença — do toque, do ritmo, da comunhão. Não precisa tornar-se mais um feed infinito.

🎚️ Conclusão: desligar para sentir

Talvez não precisemos banir os telemóveis das pistas.
Mas precisamos, urgentemente, de resgatar o que eles nos roubaram: a atenção plena.
A música eletrónica nasceu da necessidade de libertar o corpo e transcender o quotidiano — não de provar que lá estivemos.

No fim, a memória mais forte não está no vídeo.
Está na vibração que sentimos quando o som nos atravessa — e o mundo lá fora deixa, por instantes, de existir.

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