SoundCloud muda as regras do jogo: artistas ficam com 100 % dos royalties de distribuição
Um novo capítulo para a música independente e eletrónica Num universo em que os artistas continuam a receber migalhas por cada stream e as plataformas de música parecem enriquecer à custa de quem cria, surge uma notícia que promete abanar o status quo. A SoundCloud anunciou um novo plano — “All-in-One Artist Subscription” — que permite aos criadores ficarem com 100 % das receitas de distribuição das suas músicas lançadas para outras plataformas como Spotify, Apple Music, YouTube Music ou TikTok.
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Para a comunidade independente e underground, especialmente a da música eletrónica, esta pode ser uma das mudanças mais relevantes dos últimos anos.
Mas será mesmo um passo em frente ou apenas uma jogada de marketing inteligente? Vamos por partes.
O que está realmente a mudar
O plano All-in-One Artist Subscription, lançado oficialmente em 2025, oferece aos artistas que utilizam o serviço de distribuição da SoundCloud a possibilidade de reter 100 % dos royalties de distribuição, algo até aqui inédito entre as grandes plataformas.
Além disso, o novo modelo inclui:
Distribuição para mais de 50 plataformas de streaming globais;
Acesso gratuito ao botão “Support”, que permite aos fãs enviarem apoio financeiro direto sem taxas da plataforma (em mercados selecionados);
Novas ferramentas para venda de merchandising, produção de vinil sob demanda e criação de lojas personalizadas para artistas;
Integração com o sistema de pagamentos diretos e relatórios de performance.
Em suma: a SoundCloud quer tornar-se um ecossistema completo para o artista — do upload ao rendimento.
Porque isto é uma boa notícia para os artistas independentes
1. Um grito de liberdade criativa
Durante anos, o streaming foi apresentado como o futuro da música. Mas, para muitos, esse futuro veio com um preço: perda de controlo e margens mínimas.
Artistas independentes têm sentido na pele a dificuldade de rentabilizar a sua arte quando o valor de cada stream mal cobre o custo de um café.
A SoundCloud, que sempre teve uma forte ligação à cultura indie e à música eletrónica, parece agora querer restituir poder aos criadores — dando-lhes autonomia total sobre o que ganham.
2. Um modelo mais justo
Enquanto agregadores tradicionais retêm entre 10 % e 20 % das receitas de distribuição, a SoundCloud propõe cortar o intermediário e devolver tudo ao artista.
Para muitos produtores, DJs ou criadores que vivem à margem dos grandes selos, isso significa que cada euro conta — literalmente.
3. Uma alternativa real aos gigantes
O que a SoundCloud está a fazer é reposicionar-se no ecossistema: deixar de ser apenas um espaço de partilha e comunidade, para competir diretamente com DistroKid, Tunecore e outros distribuidores.
A diferença? A SoundCloud já tem a comunidade e a cultura que os outros não têm. E, para quem vive da música eletrónica, essa ligação emocional à plataforma é difícil de ignorar.
O reverso da medalha: ainda há questões por responder
Nem tudo é ouro.
O plano está disponível apenas para quem subscreve o All-in-One (ou Artist Pro), o que implica uma mensalidade. Ou seja, o “100 % dos royalties” só é verdade depois de pagar a subscrição.
Além disso:
O botão Support ainda não está disponível em todos os países europeus, incluindo Portugal;
O processo de pagamento pode incluir taxas de processamento e limites mínimos de levantamento;
E, claro, ter 100 % de zero continua a ser zero — se o artista não tiver visibilidade, o modelo não resolve o problema da falta de streams.
Há também quem questione se esta jogada é uma forma da SoundCloud aumentar o número de subscritores pagos, ao mesmo tempo que capitaliza a narrativa de “apoio ao artista independente”.
Impacto na cena eletrónica e underground
Em Portugal e na Europa, a cultura de clubes, festivais e coletivos independentes tem vindo a crescer com consistência — mas ainda enfrenta desafios estruturais: falta de investimento, dificuldade em monetizar digitalmente e dependência de eventos ao vivo.
Com esta medida, abre-se espaço para um novo modelo de sustentabilidade:
Um DJ pode lançar o seu EP via SoundCloud, distribuir para outras plataformas, vender vinil sob demanda e receber o apoio direto dos fãs — sem precisar de selo.
A ideia de “tribo” ganha um novo sentido digital: o público passa a poder participar ativamente no percurso dos artistas que admira.
Mais do que uma mudança de percentagens, isto representa uma mudança de mentalidade — uma que valoriza o artista como empreendedor criativo e não apenas como entertainer.
O mercado português: uma oportunidade a não perder
Portugal tem uma cena musical vibrante, mas ainda pouco estruturada em termos de monetização digital. Muitos artistas continuam dependentes de concertos, bares e festivais para obter rendimento.
Se a SoundCloud aplicar este modelo integralmente na Europa, e especialmente em Portugal, poderá:
Estimular a criação de mais projetos independentes;
Tornar viável a carreira digital de DJs e produtores locais;
Reforçar o papel da comunidade underground portuguesa no panorama global;
Incentivar uma nova geração de artistas a investir em autopromoção e autonomia criativa.
Há aqui uma janela de oportunidade que não deve ser ignorada — especialmente por quem está atento às tendências e à profissionalização do setor.
A perspetiva editorial da UnderMag
O que a SoundCloud está a fazer não é apenas uma jogada técnica; é um movimento cultural.
Depois de anos a ver artistas queixarem-se (com razão) de plataformas que pagam cêntimos, alguém finalmente decidiu desafiar o modelo.
Claro que há riscos, dúvidas e detalhes por confirmar — mas há também uma mensagem poderosa: a independência pode ser sustentável.
Este tipo de políticas pode inspirar outros serviços a repensar a forma como tratam os criadores. E talvez, só talvez, estejamos a entrar numa nova fase do streaming — mais transparente, mais justa e mais humana.
Conclusão
A decisão da SoundCloud de entregar 100 % dos royalties de distribuição aos artistas pode marcar o início de uma nova era no mercado musical.
Para a música eletrónica, o underground e a cena independente, é uma oportunidade de ouro: menos intermediários, mais autonomia e mais ligação direta entre criador e público.
Mas o verdadeiro desafio não é tecnológico — é cultural.
Cabe agora a cada artista saber transformar esta oportunidade em comunidade, sustentabilidade e propósito.
Na UnderMag, continuaremos atentos a quem está a usar estas ferramentas não apenas para lançar música, mas para mudar mentalidades.
Fontes:
Mixmag, DJ Mag, Electronic Groove, Rolling Stone India, TicketFairy, TechLoy, SoundCloud Official Blog.
